Do Canteiro À Corte: Como Os Vícios Construtivos Estão Redesenhando A Responsabilidade No Mercado Imobiliário Brasileiro.
Entenda como a jurisprudência do STJ, combinada à NBR 15575 e à atuação dos condomínios, está ampliando os riscos ocultos no pós-obra — e por que isso deve mudar a forma como você projeta, constrói e entrega.
- INTRODUÇÃO
Os chamados vícios construtivos – falhas ou defeitos de edificação capazes de prejudicar a qualidade, a segurança ou a adequação de uso de um imóvel – passaram a se destacar como motivo frequente de conflitos judiciais no vasto mercado imobiliário brasileiro. De um lado, compradores de unidades habitacionais, seja individualmente ou representados por condomínios, buscam compensações pelos prejuízos, tanto materiais quanto morais, decorrentes de problemas na construção. De outro, construtoras e incorporadoras enfrentam riscos financeiros significativos e insegurança jurídica, principalmente em vista da complexidade técnica e da multiplicidade de ações que podem recair sobre elas.
À luz desse cenário, o Direito busca conciliar dois interesses fundamentais: tutelar o consumidor, garantindo a reparação por defeitos e, ao mesmo tempo, assegurar segurança jurídica aos empreendedores, respeitando prazos e condições estabelecidos na legislação civil e consumerista.
Nesse universo, ressaltam-se diversos pontos de tensão, como a aplicação da teoria da actio nata, a interpretação do art. 618 do Código Civil (CC), a força normativa ou orientadora das normas técnicas (destacando-se a ABNT NBR 15575), a responsabilidade solidária entre os diversos agentes que participam da construção e incorporação, bem como a possibilidade (ou não) de reparação moral em contexto coletivo.
O objetivo deste artigo é abordar os principais aspectos jurídicos ligados aos vícios construtivos, oferecendo, ao mesmo tempo, uma visão que possa orientar construtoras e incorporadoras sobre os cuidados necessários para prevenir demandas, minimizar prejuízos e manter a qualidade das edificações, sem deixar de analisar os critérios protetivos estabelecidos em favor do consumidor.
Assim, pretende-se contemplar tanto o arcabouço jurídico (com destaque à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ) quanto as recomendações operacionais e técnicas (conforme a Norma de Desempenho, NBR 15575) e as estratégias de mitigação que contribuem para a redução de litígios e de riscos empresariais.
- VÍCIOS CONSTRUTIVOS E O CONTEXTO JURÍDICO ATUAL
O termo “vícios construtivos” costuma designar qualquer defeito surgido na edificação que comprometa, de forma relevante, aspectos como estabilidade, estanqueidade, habitabilidade, desempenho ou conforto. Podem ocorrer em alvenaria, revestimentos, instalações elétricas ou hidráulicas, impermeabilização, estruturas de concreto e assim por diante (Tartuce, 2021). O foco recai sobre falhas que não decorrem do uso normal e previsível, mas sim de erro de projeto, execução deficiente, emprego de materiais inadequados ou até mesmo de falta de supervisão por parte de quem empreende ou constrói.
Nos últimos anos, o número de ações judiciais relacionadas a esses vícios tornou-se significativo, impulsionando discussões sobre aplicabilidade dos prazos de responsabilidade civil e extensão das garantias legais (STJ – AgInt no AREsp 438.665/RS). Em paralelo, o aumento da demanda por moradia, especialmente nos grandes centros urbanos, fez com que muitas incorporadoras e construtoras assumissem grandes empreendimentos em prazos exíguos, elevando a possibilidade de ocorrerem problemas de execução e falhas técnicas. Nesse cenário, a jurisprudência do STJ evoluiu para fortalecer a posição dos adquirentes, o que gera, para construtoras e incorporadoras, a necessidade de redobrar a atenção em todas as fases da obra – do planejamento e execução ao atendimento pós-venda.
Importante frisar que os efeitos jurídicos dos vícios construtivos não se esgotam na responsabilidade civil. A ocorrência de problemas em larga escala pode acarretar, entre outros, desvalorização do imóvel, despesas para reparo, arranhões na imagem das empresas do setor e, ainda, eventual caracterização de descumprimento contratual grave, acarretando discussões acerca de resolução do contrato ou abatimento de preço (NELSON, 2021). Além disso, em casos extremos, falhas na estrutura podem gerar riscos à segurança e inviabilizar parcial ou totalmente o uso da edificação, o que amplifica a repercussão social e econômica do problema.
Na perspectiva das construtoras, um ponto adicional de preocupação é o caráter cumulativo das ações judiciais: bastam algumas sentenças precedentes reconhecendo a responsabilidade por determinado vício recorrente (por exemplo, falhas de impermeabilização) para que um grande número de adquirentes ou condôminos siga o mesmo caminho, gerando processos em massa, desgastes financeiros e riscos reputacionais.
III. TEORIA DA ACTIO NATA E PRAZOS DECADENCIAIS VERSUS PRESCRICIONAIS
No Direito Civil, a teoria da actio nata ocupa lugar de destaque na análise de prazos (STJ – REsp 984.106/SC). Ela estabelece que o prazo de prescrição começa a correr a partir do instante em que o titular da pretensão toma efetivo conhecimento (ou tem condições de tomar) do dano ou do vício. Aplicada aos vícios construtivos, essa teoria ganhou força, pois muitos defeitos em edifícios surgem só depois de certo tempo de uso, e não necessariamente logo após a entrega das chaves.
O art. 618 do Código Civil de 2002 determina um prazo de cinco anos, contado da entrega da obra, para a responsabilização do construtor por defeitos relacionados à solidez e segurança (STJ – AgInt no AREsp 438.665/RS). Ademais, o parágrafo único fixa um prazo de 180 dias (semestre) para que o dono da obra ajuíze ação após tomar conhecimento do vício. No entanto, a jurisprudência do STJ evoluiu para distinguir as pretensões de natureza resolutória (em que se busca a extinção ou desfazimento do contrato, atrelada a um típico prazo decadencial) daquelas de indenização por perdas e danos (que se enquadram em prazos prescricionais). Em razão disso, defende-se que o prazo decadencial semestral do art. 618, parágrafo único, se restringe à ação de resolução (ou seja, à garantia mínima prevista no caput), não afetando as demandas de caráter indenizatório, que seguiriam prazos maiores, conforme a regra geral do art. 205 do CC (atualmente de dez anos) (Enunciado 181 da III Jornada de Direito Civil – CJF).
Essa interpretação tem por fundamento, além da proteção ao consumidor, a ideia de que as garantias legais não se esgotam em prazos exíguos quando se trata de vícios ocultos que se manifestam tardiamente. O prazo prescricional só começa, portanto, a ser contado a partir do momento em que o defeito se mostra perceptível ao dono do imóvel, corroborando a tese da actio nata (STJ – AgInt no AREsp 2.172.556/RS). A ampliação no tempo, se por um lado protege o adquirente que se depara com um defeito tardio, por outro aumenta significativamente a exposição das empresas do ramo imobiliário, que podem ser demandadas mesmo muitos anos depois da entrega da obra.
Vale ressaltar que, em hipóteses mais complexas, a discussão sobre quando o adquirente efetivamente tomou conhecimento do vício pode desencadear disputas probatórias. Em alguns casos, a construtora pode alegar que o defeito era perceptível desde a entrega das chaves, enquanto o comprador insiste na tese de manifestação tardia. Dessa forma, a perícia judicial ganha especial relevância para determinar se havia sinais aparentes no momento da ocupação do imóvel ou se o problema de fato se manteve oculto. Em edifícios de grande porte, pequenas fissuras podem evoluir lentamente para grandes infiltrações ou ameaças estruturais, tornando o marco temporal para a contagem da prescrição um ponto controverso.
Ainda que não seja uma “garantia eterna” para o consumidor, a aplicação prática faz com que, surgido o defeito dentro dos primeiros cinco anos, a ação possa ser ajuizada até dez anos depois de o vício ter sido constatado (STJ – AgInt no AREsp 438.665/RS). Esse entendimento levou a debates acerca de uma suposta “insegurança jurídica” para o setor, pois construtoras e incorporadoras precisam manter registros de execução, laudos e toda a documentação do empreendimento por período muito superior ao que se imaginava anteriormente.
Não obstante, prevaleceu a lógica protetiva: se o defeito é oculto, a responsabilidade não pode ser extinta por simples decurso de prazo, antes mesmo de o dono do imóvel ter a chance de descobrir o problema.
Sobre o ponto de vista prático, cabe salientar que a prova de datas – entrega das chaves, início da manifestação, comunicação do defeito ao vendedor, vistoria técnica – é essencial para definir o termo inicial e a contagem dos prazos. É comum que empresas insiram em contrato cláusulas fixando a data exata de conclusão e entrega, e peçam que o adquirente assine relatórios de vistoria inicial (famoso check-list de recebimento do imóvel). Quando tais documentos são bem elaborados, torna-se mais fácil demonstrar se o defeito já existia de forma aparente ou não.
Em resumo, a consagração da teoria da actio nata somada à leitura protetiva dos prazos para vícios ocultos criou um ambiente em que o adquirente dispõe de considerável tempo para reclamar judicialmente, desde que comprove a data em que efetivamente tomou ciência do defeito. Para as construtoras, a recomendação primordial é investir em prevenção e manter arquivos documentais detalhados, a fim de afastar alegações indevidas e provar, por exemplo, que o dano decorre de mau uso ou fora do período de garantia.
- AMPLIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA RESPONSABILIDADE PREVISTA NO ART. 618 DO CC
O art. 618 do Código Civil, aplicado aos contratos de empreitada de edifícios e outras construções de porte relevante, consagra a responsabilidade do construtor por cinco anos no tocante à solidez e segurança da obra, contemplando não apenas a execução, mas também a adequação de materiais e do solo (STJ – AgInt no AREsp 438.665/RS). A princípio, a redação poderia sugerir que, escoado esse lustro, o construtor estaria isento de responder por problemas futuros. Porém, as decisões modernas do STJ deram interpretação ampliativa, indo além da leitura literal.
O quinquênio do art. 618 não vem sendo encarado como prazo de prescrição ou de decadência, mas como prazo de garantia mínima (STJ – AgInt no AREsp 438.665/RS). Se o vício se manifestou dentro desses cinco anos, a pretensão de reparação pode ser exercida mesmo após transcorrido o lustro, observando-se a prescrição decenal a partir do surgimento do defeito. Na prática, isso significa que, se a falha aparecer no quarto ano, o dono do imóvel pode ajuizar ação até dez anos contados da detecção do problema, prolongando a responsabilidade para um período bem extenso (Súmula 194/STJ, adaptada).
Embora o texto legal fale em “solidez e segurança”, os tribunais têm entendido que outros vícios construtivos significativos – como infiltrações, impermeabilizações inadequadas, falhas de vedação, instalações elétricas e hidráulicas defeituosas – também se inserem na órbita do art. 618 (STJ – AgInt no AREsp 438.665/RS; TJ/SP – Apelação 00180307420128260451). Em outras palavras, problemas relevantes que afetem o uso adequado do imóvel podem ser equiparados à ameaça à solidez e segurança, evitando interpretações restritas. Logo, mesmo defeitos que não impliquem risco estrutural, mas gerem desconforto significativo ou inviabilizem partes da edificação, podem entrar no âmbito da garantia quinquenal.
Outro ponto de atenção é em relação a responsabilidade solidaria. Em relações de consumo, normalmente a responsabilidade do construtor ou do incorporador é objetiva, decorrente da interpretação conjunta dos arts. 12, 14 e 18 do CDC. Além disso, o STJ reconhece que incorporadora e construtora, quando participam do mesmo empreendimento, respondem solidariamente pelos vícios que surjam, já que ambos figuram como fornecedores (STJ – REsp 1.736.593/SP). Mesmo que a incorporadora não tenha executado diretamente a obra, ela responde perante o adquirente porque vendeu o imóvel e se obrigou contratualmente a entregar um bem em condições adequadas.
Outro reflexo notável dessa ampliação jurisprudencial é a tendência de considerar irrelevante eventuais cláusulas contratuais que tentem restringir prazos ou exonerar a empresa (por exemplo, cláusulas reduzindo a garantia para 2 anos, ou isentando a construtora de responsabilidade por vícios que surjam após um curto período). À luz dos princípios consumeristas, tais cláusulas são tidas como nulas (art. 51, I, do CDC), confirmando que o adquirente goza de uma proteção legal mínima que não pode ser suprimida via acordo de vontades.
Há também precedentes considerando a possibilidade de responsabilizar a construtora mesmo por vícios que apareçam depois do prazo de cinco anos (STJ – REsp 984.106/SC), caso fiquem demonstrados a gravidade e o caráter oculto do defeito. Em edificações de grande porte, por exemplo, certas patologias estruturais (carbonatação do concreto, corrosão de armaduras, falhas em juntas de dilatação) podem levar anos para se manifestar de forma visível. A compreensão de que o dono da obra não deve ficar desamparado por circunstâncias fora do seu controle reforça a doutrina de que o prazo do art. 618 é mínimo, podendo a ação ser ajuizada posteriormente se a falha surgiu ainda no período de garantia, mas só foi detectada tardiamente.
Para as incorporadoras e construtoras, o recado é claro: a extensão de sua responsabilidade ultrapassa a antiga interpretação literal dos cinco anos; não se restringe a vícios “estritamente estruturais”; e aplica-se de modo objetivo e solidário, de modo que não basta terceirizar a execução para se eximir. Diante disso, a prevenção tornou-se fator determinante, passando pela seleção rigorosa de empreiteiros, uso de materiais de qualidade, adoção de sistemas de gestão de qualidade e permanente atenção ao cumprimento das normas técnicas (especialmente a NBR 15575). Essas medidas não eliminam a responsabilidade, mas reduzem a probabilidade de surgirem defeitos e dão maior solidez à defesa caso haja demanda.
- A FUNÇÃO DA NORMA DE DESEMPENHO (ABNT NBR 15575) NOS LITÍGIOS DE CONSTRUÇÃO
Em vigor para projetos protocolados a partir de julho de 2013, a ABNT NBR 15575 (também chamada Norma de Desempenho de Edificações) estabeleceu padrões mínimos de desempenho para diversos sistemas das edificações habitacionais (estrutura, vedações, coberturas, instalações, conforto acústico, conforto térmico etc.). Embora não seja uma lei em sentido estrito, vem sendo utilizada como referência técnica em demandas sobre vícios construtivos, servindo de guia para peritos judiciais e juízes ao avaliar a adequação da obra.
Os tribunais, de modo geral, entendem que as normas técnicas da ABNT não possuem, por si sós, força vinculante absoluta (TRF-3 – RI: 00041398420214036322). Entretanto, se o contrato de compra e venda, o projeto ou o manual do proprietário incorporaram, de forma expressa, as especificações da NBR 15575, ela passa a compor o conteúdo obrigacional assumido pela construtora/incorporadora. Além disso, ainda que não conste nominalmente do contrato, a jurisprudência reconhece que a aderência aos padrões técnicos vigentes no setor é um dever de diligência profissional, pois não seria razoável entregar um imóvel abaixo do patamar mínimo de desempenho definido pela engenharia moderna.
Outro destaque da NBR 15575 é a estimativa de vida útil para sistemas e componentes da edificação. Se um defeito ocorre muito antes de expirar a vida útil esperada, há forte indício de vício construtivo (STJ – REsp 984.106/SC). Por outro lado, se o problema surgir após o fim dessa vida útil e houver indícios de desgaste natural ou falta de manutenção, é menos provável que se reconheça um vício indenizável. Assim, a norma funciona como um critério técnico para separar falhas de construção de mero envelhecimento.
Cabe ressaltar que a norma não pode, todavia, restringir direitos assegurados por lei. Se a NBR estipula prazo de vida útil menor que o previsto nos dispositivos legais, prevalecem as regras do Código Civil ou do CDC. Da mesma forma, se a empresa alega ter seguido a Norma de Desempenho, mas ainda assim o imóvel apresenta problemas que impeçam seu uso regular, a construtora não se exime automaticamente de reparação. O alcance da norma se dá como elemento probatório e parâmetro de avaliação qualitativa, não como dispositivo impeditivo de direitos.
Em resumo, a NBR 15575 desempenha papel integrador entre o campo técnico e o jurídico, estabelecendo um balizamento de qualidade e durabilidade que subsidia laudos periciais e decisões judiciais. Para as construtoras, cumprir fielmente a norma ajuda a prevenir litígios, pois demonstra adoção de boas práticas e reduz a probabilidade de surgirem defeitos precoces na edificação (LAGE; LAGE, 2022). Entretanto, mesmo o estrito cumprimento da norma não garante imunidade judicial se restar comprovado que, na prática, houve falha de execução ou material inadequado. Também não afasta a obrigação de reparar problemas ocorridos na vigência do prazo legal de garantia, caso tais problemas sejam enquadrados como vícios construtivos.
É de fundamental observar que uma dimensão por vezes negligenciada é que a NBR 15575 também atribui obrigações de manutenção ao usuário (morador, condomínio ou proprietário). Se o adquirente deixa de seguir cuidados básicos, ocasionando deteriorações que agravam potenciais defeitos, há espaço para se argumentar que não se trata de vício construtivo (TJ-PR – APL: 00753795420188160014). Nesse contexto, é essencial que a construtora inclua no Manual do Proprietário – muitas vezes elaborado com base na Norma de Desempenho – instruções claras de como e quando realizar manutenções preventivas. O descumprimento dessas orientações pode afastar ou atenuar a responsabilidade da empresa.
Em litígios, as perícias costumam verificar se o proprietário realizou ou não a manutenção estipulada, se havia falha no sistema sem culpa do morador ou se houve mau uso. Assim, a NBR 15575 funciona, também, como um guia de responsabilidades, partindo do pressuposto de que a qualidade de vida e a durabilidade do edifício dependem tanto da boa execução pelo construtor quanto dos cuidados pós-entrega pelo usuário.
- Responsabilidade Solidária de Incorporadoras, Construtoras e Fornecedores
A questão de “contra quem” o adquirente pode litigar quando surge um vício construtivo é igualmente relevante. As relações de consumo são regidas pelo CDC, cujo art. 7º, parágrafo único, e arts. 12 e 18 preveem a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia produtiva (STJ – REsp 1.736.593/SP). Isso significa que o comprador lesado não precisa identificar pontualmente se o defeito é culpa do pedreiro, do fornecedor de impermeabilização ou do projetista estrutural: ele pode demandar diretamente a incorporadora ou a construtora que lhe vendeu o imóvel, responsáveis finais pela entrega do produto habitacional.
Em regra, essas empresas (incorporadora e construtora) têm direito de regresso contra o fornecedor ou projetista efetivamente responsável pelo defeito, mas esse acerto interno não impede que o consumidor escolha ajuizar a ação contra qualquer um dos integrantes da cadeia. O STJ reforça que, por força do CDC, o adquirente tem o direito de exigir reparação de qualquer fornecedor, e a responsabilidade é objetiva (independente de culpa).
Exceções surgem quando se tenta envolver, em demandas de vícios construtivos, bancos ou agentes financeiros que apenas concederam crédito ao mutuário. Se a instituição financeira não foi parte do processo de construção, nem assumiu deveres de qualidade, a jurisprudência tende a afastar a sua responsabilização. Não obstante, há casos nos quais a Caixa Econômica Federal ou outros bancos foram acionados, gerando discussões acerca de sua participação como fiscal do empreendimento em programas habitacionais, mas o entendimento majoritário aponta para a exclusão de responsabilidade quando o agente financeiro é apenas financiador, sem ingerência técnica na obra.
Para o setor produtivo, a solidariedade intensifica a necessidade de planejamento e verificação de todos os agentes envolvidos no empreendimento: selecionar parceiros competentes, fiscalizar subempreiteiras e fornecedores e documentar cada etapa torna-se imprescindível para minimizar riscos de ser responsabilizado por falhas alheias (LAGE; LAGE, 2022). Na prática, isso se reflete em contratos claros com prestadores de serviço (projetistas, empreiteiras menores) e em rotinas de compliance, a fim de garantir que as obrigações técnicas sejam cumpridas. Também é comum que construtoras insiram cláusulas de regresso ou seguro de responsabilidade civil profissional nos acordos com terceiros, tentando resguardar-se financeiramente em caso de eventuais condenações.
Importante observar que, no Brasil, a cadeia de fornecedores pode incluir uma miríade de atores: engenheiros de fundação, calculistas estruturais, fornecedores de esquadrias, sistemas de elevadores, empresas de impermeabilização, etc. Cada um deles pode, potencialmente, ter causado (ou contribuído para) um vício. Porém, do ponto de vista do consumidor, basta demandar quem lhe vendeu o imóvel, deixando a discussão de “quem é o culpado final” para os bastidores da ação regressiva entre as empresas. Essa postura jurisprudencial decorre da lógica protetiva do CDC, que almeja facilitar a vida do consumidor, impondo aos fornecedores o ônus de se organizarem internamente.
VII. LEGITIMIDADE E REGIME JURÍDICO DAS AÇÕES DE CONDOMÍNIOS POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS
As ações judiciais ajuizadas por condomínios edilícios contra construtoras ou incorporadoras, com fundamento em vícios construtivos, assumem, em regra, a natureza de ações ordinárias de responsabilidade civil contratual cumuladas com obrigação de fazer e/ou indenização por danos materiais, voltadas à reparação de falhas estruturais, técnicas ou funcionais que comprometem o desempenho da edificação, especialmente nas áreas comuns. Trata-se, portanto, de demandas de elevada sensibilidade jurídica e técnica, que exigem atenção estratégica por parte das empresas do setor.
Do ponto de vista da legitimidade ativa, é pacífico que o condomínio, representado pelo síndico, detém plena capacidade processual para postular em juízo a responsabilização por vícios que afetem diretamente os elementos comuns da edificação (art. 22, §1º, “a”, da Lei nº 4.591/64). A jurisprudência do STJ reconhece essa legitimidade como decorrência lógica da titularidade coletiva das áreas comuns, permitindo ao condomínio postular a reparação, a correção ou a indenização por falhas que comprometem a estrutura, fachada, telhado, instalações hidráulicas, elétricas, entre outros elementos comuns (REsp 198.511/RJ).
Contudo, no que tange aos vícios localizados nas unidades autônomas, a atuação do condomínio encontra limites relevantes. Em regra, tais danos demandam postulação individualizada pelos respectivos proprietários, salvo quando demonstrado que decorrem de falhas sistêmicas comuns, cuja origem e efeitos extrapolam os limites das unidades e comprometem o desempenho global da edificação. Nesse cenário, admite-se, com base em autorização assemblear ou mediante instrumento de mandato, que o condomínio atue também na defesa dos interesses individuais homogêneos dos condôminos, desde que haja unicidade da causa de pedir e identidade substancial dos vícios (AREsp 53.760/SP).
Ainda assim, é fundamental preservar a individualização dos prejuízos estritamente pessoais, como danos morais ou lucros cessantes decorrentes da perda de uso de unidade, que somente podem ser pleiteados pelo próprio titular do direito violado. Do contrário, haveria risco de extrapolação dos limites subjetivos da lide, comprometendo a validade da sentença e expondo a incorporadora a condenações indevidas ou genéricas.
Do ponto de vista do regime jurídico aplicável, as ações propostas pelos condomínios contra construtoras e incorporadoras em razão de vícios construtivos estão, via de regra, submetidas à disciplina do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda que a postulação se dê por meio de pessoa jurídica. Isso porque o condomínio representa a coletividade de adquirentes, sendo equiparado, por força do art. 2º, parágrafo único, à figura do consumidor coletivo (REsp 1.560.728/MG).
A incidência do CDC acarreta efeitos relevantes para a defesa: a responsabilidade dos fornecedores torna-se objetiva (arts. 12 e 14), com solidariedade passiva entre os diversos integrantes da cadeia produtiva – incorporadora, construtora, projetistas, fornecedores de materiais – e com possibilidade de inversão do ônus da prova, conforme os critérios do art. 6º, VIII. Isso exige das empresas do setor robustez documental e técnica para demonstrar a inexistência dos vícios ou sua origem em fatores alheios à construção (uso inadequado, ausência de manutenção, intervenções posteriores, entre outros).
Ainda que o CDC forneça o regime predominante, o Código Civil permanece aplicável de forma supletiva, especialmente no tocante aos prazos e aos aspectos contratuais complementares. O art. 618 do CC, por exemplo, prevê um prazo mínimo de garantia de cinco anos quanto à solidez e segurança da obra, cujo marco inicial é a entrega da edificação. A jurisprudência do STJ tem conferido interpretação sistemática ao dispositivo, considerando-o como um prazo de manifestação do vício, e não de decadência da pretensão, aplicando-se a partir daí o prazo prescricional decenal do art. 205 do CC (REsp 984.106/SC; AgInt no AREsp 438.665/RS).
Essa lógica reforça a importância de que construtoras e incorporadoras adotem medidas preventivas desde o início da obra: vistorias documentadas, uso de materiais certificados, registro fotográfico de etapas da execução, e entrega de manuais com orientações de uso e manutenção. Essas medidas são imprescindíveis para, em eventual demanda, diferenciar vício construtivo de desgaste natural ou mau uso, elementos essenciais à elaboração de uma defesa sólida.
A atuação judicial dos condomínios em demandas por vícios construtivos reflete, de modo geral, a maturação do mercado e da jurisprudência no que diz respeito à qualidade técnica das obras e ao equilíbrio contratual nas relações de consumo. Para as incorporadoras e construtoras, a crescente frequência dessas ações exige não apenas atenção reativa no contencioso, mas sobretudo a adoção de políticas preventivas, tanto durante a execução da obra quanto no pós-venda.
A consolidação jurisprudencial quanto à legitimidade do condomínio para representar a coletividade em face de falhas nas áreas comuns impõe às empresas o dever de manter padrões mínimos de desempenho e rastreabilidade de todas as etapas construtivas, inclusive com a adoção de auditorias técnicas e protocolos de entrega em conformidade com a NBR 15575. Em paralelo, deve-se combater o uso indevido dessa legitimidade para ampliar, indevidamente, os limites da ação a pretensões que extrapolem o interesse coletivo, como pleitos personalíssimos ou pedidos genéricos de indenização sem lastro técnico.
A estratégia jurídica eficiente, portanto, não repousa na simples resistência judicial, mas sim na estruturação de um ciclo completo de responsabilidade técnica e contratual: desde a concepção do projeto e a execução supervisionada da obra até o relacionamento pós-entrega, com canais claros de atendimento, registro de manifestações e execução diligente das correções necessárias.
VIII. DANOS MORAIS COLETIVOS EM AÇÕES DE CONDOMÍNIOS CONTRA CONSTRUTORAS
Superada a análise sobre a legitimidade do condomínio para pleitear reparações por vícios construtivos, cumpre examinar um pedido que, embora recorrente em ações ajuizadas por síndicos em nome da coletividade, tem sido reiteradamente rechaçado pelo Poder Judiciário brasileiro: a pretensão de indenização por danos morais coletivos em favor do condomínio edilício.
Com base em premissas equivocadas sobre a extensão dos direitos disponíveis ao condomínio, algumas demandas tentam atribuir à coletividade de condôminos o direito à compensação por abalo extrapatrimonial decorrente da existência de vícios construtivos nas áreas comuns do empreendimento, criou-se a tese do “dano moral coletivo”, pela qual se buscaria compensação a toda coletividade de condôminos (STJ – REsp 1.736.593/SP).
A posição prevalente no STJ, todavia, é restringir tal pleito. O condomínio, por si, não possui honra subjetiva nem personalidade jurídica autônoma para sentir abalo moral, pois se trata basicamente de uma comunhão de proprietários. Assim, tem-se negado a possibilidade de se pleitear, em nome do condomínio, uma indenização por danos extrapatrimoniais que supostamente afetariam o grupo (STJ – AgInt no AREsp 1.177.862/RJ). Caso se entenda que algum morador teve abalo psicológico relevante, caberia a ele, individualmente, buscar reparação.
Consequentemente, falta legitimação ao condomínio para postular, em nome próprio, indenização por dano moral alheio (dos condôminos). O caráter personalíssimo do dano moral, ligado à esfera íntima e à honra subjetiva de cada ofendido, impede a coletivização desse prejuízo: cada condômino é, em regra, o único legitimado a buscar reparação pelo abalo anímico que individualmente experimentou. A lei de condomínios (Lei 4.591/64) não confere poderes ao síndico para representar os proprietários em pretensões extrapatrimoniais dessa natureza. Reconhecer um “dano moral coletivo” homogêneo aos condôminos implicaria presumir que todos sofrem de igual modo, o que raramente é verdade – a reação psicológica varia em grau de pessoa a pessoal. Portanto, não se admite, na via de ações ordinárias movidas pelo condomínio, um capítulo de danos morais em favor do grupo de moradores.
Essa orientação jurisprudencial consolidou-se em caso paradigmático julgado em 2011. Na ocasião, o STJ firmou que o condomínio não possui legitimidade para postular em juízo reparação por danos morais sofridos pelos condôminos (REsp: 1177862 RJ). No caso, o Tribunal de Justiça do RJ havia condenado a construtora a pagar R$ 2 milhões por danos morais coletivos e desvalorização das unidades, em ação movida pelo condomínio. A Terceira Turma do STJ reformou essa decisão, entendendo tratar-se de parte ilegítima pleiteando direito alheio sem autorização legal. Salientou-se a ausência de previsão na Lei 4.591/64 para o condomínio atuar como substituto processual dos condôminos em danos extrapatrimoniais, bem como a natureza personalíssima desses danos, cuja dimensão varia para cada proprietário. Desde então, o STJ vem repelindo pedidos semelhantes em ações análogas, negando indenizações por abalo moral coletivo em favor de condomínios.
Distinguem-se, entretanto, as ações civis públicas movidas pelo Ministério Público ou por associações legitimadas, em casos de interesse difuso ou coletivo amplo (STJ – REsp 2.182.775/SP). Nessa hipótese, pode-se cogitar de um dano moral coletivo que vá além dos condôminos individualmente considerados, ferindo valores e direitos fundamentais de uma coletividade. Em tais ações, as quantias fixadas costumam reverter a fundos públicos ou a projetos de interesse difuso, e não especificamente aos condôminos ou proprietários.
Para as construtoras e incorporadoras, esse panorama significa que, em demandas promovidas diretamente pelo condomínio contra a empresa, a condenação por danos morais coletivos tende a ser inviável, a não ser que a circunstância envolva interesses metaindividuais protegidos pela lei de ação civil pública. Em regra, o máximo será a condenação à reparação material (incluindo obras para sanar os vícios, indenização pelos prejuízos, e eventualmente reparações individuais, se cada condômino comprovar seu dano moral).
Distinguem-se, entretanto, as ações civis públicas movidas pelo Ministério Público ou por associações legitimadas, em casos de interesse difuso ou coletivo amplo (STJ – REsp 2.182.775/SP). Nessa hipótese, pode-se cogitar de um dano moral coletivo que vá além dos condôminos individualmente considerados, ferindo valores e direitos fundamentais de uma coletividade. Em tais ações, as quantias fixadas costumam reverter a fundos públicos ou a projetos de interesse difuso, e não especificamente aos condôminos ou proprietários.
Para as construtoras e incorporadoras, esse panorama significa que, em demandas promovidas diretamente pelo condomínio contra a empresa, a condenação por danos morais coletivos tende a ser inviável, a não ser que a circunstância envolva interesses metaindividuais protegidos pela lei de ação civil pública. Em regra, o máximo será a condenação à reparação material (incluindo obras para sanar os vícios, indenização pelos prejuízos, e eventualmente reparações individuais, se cada condômino comprovar seu dano moral).
- Ações Massificadas sobre Vícios Construtivos e a Questão da Má-Fé Processual
Nos últimos anos, verificou-se um fenômeno de massificação de ações judiciais envolvendo vícios construtivos, sobretudo em empreendimentos habitacionais de grande porte ou programas governamentais como o “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV). Em certas regiões, milhares de demandas virtualmente idênticas foram ajuizadas contra construtoras e agentes financeiros, alegando defeitos semelhantes em diferentes imóveis. Essas ações repetitivas costumam apresentar petições-padrão, com alegações genéricas de defeitos e pedidos padronizados de indenização em dinheiro, muitas vezes sem comprovação individualizada dos problemas de cada.
Por exemplo, mutuários de um mesmo conjunto habitacional popular ingressam simultaneamente com dezenas de ações utilizando o mesmo laudo técnico e as mesmas fotografias, apontando vícios estruturais ou infiltrativos, sem distinguir a situação específica de cada unidade. Chamou atenção o fato de, em alguns casos, as fotografias anexadas nem corresponderem ao imóvel do autor, tendo sido reaproveitadas de outros empreendimentos – clara indicação de produção de prova “em série” e desconectada da realidade concreta. Ademais, notou-se uma estratégia processual de direcionar os pleitos contra a Caixa Econômica Federal (instituição financeira garantidora do MCMV) isoladamente, sem incluir a construtora responsável na lide, visando acionar preferencialmente o ente de maior capacidade de pagamento, ainda que este não tenha executado a obra.
Esse cenário acendeu um alerta no Poder Judiciário quanto à possível litigância de má-fé coletiva ou mesmo existência de uma “indústria do dano” contra construtoras e financiadores. O número explosivo de ações idênticas – somente na Caixa, estimam-se cerca de 90 mil ações relativas a imóveis do MCMV Faixa 1 (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/01/problemas-em-imoveis-impulsionam-acoes-contra-caixa-no-minha-casa-minha-vida.shtml) – levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a investigar indícios de “litigância predatória”, em que escritórios advocatícios fomentariam demandas em massa de forma temerária.
O presidente do CNJ e do STF, ministro Luís Roberto Barroso, chegou a mencionar a preocupação com uma possível “indústria de indenizações por vícios nem sempre existentes na construção”. Ou seja, suspeita-se de casos em que os defeitos seriam exagerados ou até inexistentes, apontados somente para fins de obtenção de acordos ou indenizações fáceis, o que configura abuso do direito de acionar a Justiça.
De outro lado, advogados dos mutuários alegam que o que existe é uma “indústria de construção predatória”, ou seja, empreendimentos entregues com qualidade abaixo do mínimo e que geram naturalmente milhares de lesados. De fato, há casos legítimos em que praticamente todos os adquirentes de certo condomínio são afetados por problemas congêneres (p.ex., todas as unidades com infiltração por falha de impermeabilização geral), o que justifica uma multiplicidade de ações ou uma ação coletiva única. Separar o joio do trigo tornou-se fundamental: nem toda ação numerosa é de má-fé. O que caracteriza o abuso não é a quantidade, mas a temeridade e falta de individualização naquelas fabricadas em série.
O fato é que o crescimento exponencial das demandas judiciais por vícios construtivos é uma realidade incontornável. Diante desse cenário, em que coexistem ações legítimas e outras desprovidas de fundamento técnico ou jurídico, não se pode partir de premissas generalistas nem presumir má-fé ou veracidade de forma automática. O que se impõe, portanto, é a adoção de uma postura estratégica e preventiva por parte de construtoras e incorporadoras, com foco na mitigação de riscos, na produção robusta de provas técnicas e na estruturação de defesas eficazes contra condenações indevidas.
- ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DE RISCOS PARA CONSTRUTORAS E INCORPORADORAS
Diante de todo esse panorama – responsabilidades extensas, jurisprudência protetiva ao adquirente, possibilidade de litígios individuais ou massivos e aplicação de multas em caso de má-fé –, construtoras e incorporadoras devem adotar práticas preventivas e reativas que as resguardem de responsabilizações indevidas ou de condenações onerosas. A seguir, apresentam-se diretrizes fundamentais:
- Planejamento e Execução de Qualidade
- Investir em projetos bem elaborados, com equipes qualificadas e materiais de boa procedência;
- Cumprir rigorosamente as normas técnicas, sobretudo a NBR 15575;
- Implementar um sistema de gestão de qualidade (muitos empreendimentos buscam selos de certificação, como PBQP-H ou ISO 9001, que comprovam padrões de execução e controle).
- Monitorar a obra em todas as etapas, mantendo registros de controle de qualidade e corrigindo falhas construtivas imediatamente, antes que gerem danos maiores.
- Documentação Minuciosa
- Registrar todas as fases da obra: diários de obra, relatórios fotográficos, laudos de ensaio de materiais, memorial descritivo detalhado;
- Entregar o Manual do Proprietário contemplando instruções de uso e manutenção, deixando claro o que cabe ao morador/condomínio;
- Disponibilizar o as built (desenhos finais do que realmente foi construído), garantindo transparência e facilitando possíveis reparos futuros.
- Armazenar esses registros por tempo prolongado (idealmente 10 ou mais anos), já que as ações podem surgir tardiamente. A falta de documentação é um dos maiores obstáculos para a defesa jurídica.
- Educação e Acompanhamento Pós-Obra
- Realizar reuniões com síndicos e condôminos para explicar rotinas de manutenção e uso correto das instalações;
- Manter um canal de atendimento para reclamações e providenciar reparos emergenciais – resolver rapidamente problemas iniciais tende a evitar a escalada do conflito para o Judiciário.
- Treinar equipes internas de atendimento, a fim de padronizar procedimentos e solucionar pequenos vícios sem burocracia excessiva. A rapidez na resposta constrói credibilidade e muitas vezes impede processos judiciais.
- Cláusulas Contratuais Bem Redigidas
- Prever, em conformidade com o CDC, os mecanismos de garantia e reparo, deixando clara a extensão da responsabilidade da construtora;
- Incluir, quando possível, uma cláusula de resolução de conflitos (arbitragem ou mediação), desde que não viole a proteção do consumidor (é essencial obter anuência expressa, se for o caso de arbitragem).
- Evitar cláusulas que limitem indevidamente direitos do adquirente (por exemplo, reduzindo prazos abaixo da lei). Tais dispositivos podem ser declarados nulos e ainda prejudicar a imagem da empresa no Judiciário.
- Gestão de Reclamações em Massa
- Monitorar ativamente reclamações que envolvam um mesmo empreendimento;
- Se houver indícios de vícios sistêmicos, cogitar solução amigável coletiva antes de eclodirem múltiplas ações individuais;
- Organizar documentação probatória que demonstre qual unidade realmente tem defeito e qual não tem, evitando condenações injustas.
- Estabelecer um protocolo de resposta para situações de litígios em série, designando advogados e peritos que possam avaliar rapidamente cada imóvel questionado.
- Parcerias e Seguros
- Alguns seguros de engenharia (incluindo o chamado “seguro decenal”) podem cobrir danos estruturais graves por até 10 anos, minorando o risco financeiro;
- Verificar contratos com subempreiteiras e fornecedores, prevendo a possibilidade de regresso se falhas forem cometidas por terceiros.
- Estudar a viabilidade de exigir, em grandes empreendimentos, garantias específicas de fornecedores (p. ex., fabricantes de revestimentos, de sistemas hidráulicos), assegurando que eles se responsabilizem por eventuais vícios.
- Laudos Independentes
- Antes de entregar a obra, contratar auditorias externas para inspecionar a construção, legitimando a qualidade e reforçando a confiança dos adquirentes;
- Em caso de litígio, auxiliar a perícia judicial com relatórios prévios, plantas, especificações e histórico de manutenção.
- Revisar periodicamente a edificação, inclusive em conjunto com o condomínio nos primeiros anos, para identificar eventuais problemas incipientes. Uma postura proativa reduz a possibilidade de litígios longos.
- Comunicação e Transparência
- Garantir que o material publicitário e o contrato descrevam fielmente o que está sendo vendido, sem promessas vagas ou irreais;
- Esclarecer, desde o início, que a boa manutenção e uso adequado do imóvel são condições essenciais para manter a garantia e a plena funcionalidade da edificação;
- Dialogar com associações de moradores e representantes de condomínios, mostrando disposição para sanar falhas verificadas de maneira colaborativa.
A adoção de todas essas precauções não dispensa a possibilidade de judicialização, mas reduz substancialmente a incidência de falhas e oferece melhores condições de defesa caso o processo chegue aos tribunais. Em última análise, a qualidade na construção e a eficiência na assistência pós-obra são as chaves para minimizar riscos e custos – e também para fidelizar clientes em um mercado cada vez mais competitivo.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
A judicialização crescente dos vícios construtivos no Brasil evidencia não apenas a sensibilidade técnica desse tipo de demanda, mas também a complexidade jurídica que a envolve. O tema, longe de ser resolvido por fórmulas genéricas, exige da incorporadora e da construtora uma postura tecnicamente diligente, juridicamente estruturada e estrategicamente preventiva, sobretudo diante da consolidação de entendimentos jurisprudenciais que expandem a responsabilidade civil e fortalecem a posição do adquirente.
A postura protetiva consolidada na jurisprudência atual — cuja análise crítica reservo para outro momento — impõe às empresas do setor um duplo desafio: assegurar elevados padrões de qualidade construtiva e, paralelamente, manter documentação precisa e rastreável de todas as etapas do empreendimento. A esse cenário soma-se a crescente necessidade de enfrentamento da litigância abusiva, especialmente em ações massificadas que, não raras vezes, carecem de individualização fática e de respaldo técnico consistente, ainda que envolvam a legítima proteção do consumidor.
Diante desse panorama, construtoras e incorporadoras que pretendem se posicionar de forma segura e eficiente no mercado não podem mais se limitar a modelos de defesa reativos. É indispensável um novo paradigma, pautado em compliance técnico-jurídico, gestão estratégica de riscos, investimentos em pós-venda qualificado e proatividade na resolução de conflitos. O foco não deve ser apenas evitar condenações, mas estruturar um ciclo de prevenção que alinhe segurança jurídica, excelência construtiva e fidelização do cliente.
Mais do que uma evolução natural da postura empresarial, a adoção dessas práticas passou a constituir verdadeira estratégia de sobrevivência para construtoras e incorporadoras, especialmente diante do atual cenário de incertezas regulatórias, instabilidade jurisprudencial e crescente desfavor do Judiciário frente às empresas do setor.
Em um ambiente em que a judicialização é intensa, a previsibilidade é escassa e a responsabilidade civil é ampliada com base em fundamentos muitas vezes frágeis, qualidade técnica, rastreabilidade documental e gestão preventiva não são mais diferenciais — são exigências mínimas para a sustentabilidade econômica do negócio. Em última análise, em um mercado cada vez mais regulado e sensível à percepção de risco, a melhor estratégia jurídica é atuar de forma preventiva e inteligente.
SOBRE O AUTOR
Fagner Washington Faria é advogado com atuação estratégica em Direito Imobiliário e Contencioso Cível de alta complexidade. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil, e pós-graduando em Direito Imobiliário Condominial, é especializado na defesa de incorporadoras, construtoras e fundos imobiliários em litígios envolvendo vícios construtivos, responsabilidade contratual. Com sólida experiência em contencioso massificado e judicializações de grande impacto, atua na formulação de soluções jurídicas preventivas e no desenvolvimento de estratégias de mitigação de riscos para o setor da construção civil e do mercado imobiliário nacional.
Referências
- STJ – AgInt no AREsp 2.172.556/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 3ª Turma, j. 13/11/2023, DJe 17/11/2023. Decisão que reforça a inaplicabilidade de prazo decadencial para vícios construtivos ocultos, reconhecendo a natureza de prazo de garantia do art. 618 do CC.
- STJ – AgInt no AREsp 438.665/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 24/09/2019. Reconhece que o prazo de cinco anos no art. 618 do CC deve ser interpretado como garantia mínima, não limitando a pretensão indenizatória (Súmula 194/STJ adaptada).
- STJ – REsp 1.736.593/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 13/02/2020. Caso envolvendo condomínio e construtora, em que se afastou a possibilidade de dano moral coletivo pelo condomínio, ao se reafirmar que tal ente não possui honra objetiva.
- STJ – REsp: 198511 RJ 1998/0092592-9, Relator.: Ministro BARROS MONTEIRO, Data de Julgamento: 24/10/2000, T4 – QUARTA TURMA. Possibilidade do condomínio buscar reparação por vícios em áreas comuns.
- STJ – AREsp: 53760 SP 2011/0158324-8, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Publicação: DJ 09/03/2017. Possibilidade do condomínio buscar reparação por vícios em áreas comuns.
- STJ – REsp 1560728 MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 28/10/2016. Afirma que o condomínio em nas situações que representa a coletividade dos condôminos, detém legitimidade para defender os seus interesses e, assim, enquadra-se na figura de consumidor.
- Enunciado 181 da III Jornada de Direito Civil (CJF) – “O prazo referido no art. 618, parágrafo único, do Código Civil refere-se unicamente à garantia prevista no caput, sem prejuízo de o dono da obra demandar perdas e danos”.
- STJ – REsp 984.106/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 20/11/2012. Caso emblemático sobre vício oculto descoberto após expirado prazo contratual, adotando-se a teoria da vida útil do bem para a caracterização de defeito.
- STJ – REsp: 1177862 RJ 2010/0018198-0, Relator.: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/05/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/08/2011. Trata da ilegitimidade do condomínio para pleitear pedido de compensação por danos morais em nome dos condôminos.
- TJ-SP – APL: 00180307420128260451 SP 0018030-74.2012 .8.26.0451, Relator.: Mary Grün, Data de Julgamento: 23/08/2018, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/08/2018. Reconhece que a NBR 15575 não pode restringir direitos legais e aplica a regra do art. 618 do CC combinada com prescrição decenal, adaptando a Súmula 194/STJ.
- TJ/DFT – 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Proc. 07345280920178070016 DF 0734528-09 .2017.8.07.0016, Relator.: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D’ASSUNÇÃO, Data de Julgamento: 06/12/2018, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 14/12/2018. Confirma a responsabilidade objetiva da construtora nos termos do CDC, adotando o critério da vida útil em vícios ocultos.
- TJ-PR – APL: 00753795420188160014 Londrina 0075379-54.2018.8 .16.0014 (Acórdão), Relator.: Kennedy Josue Greca de Mattos, Data de Julgamento: 13/12/2021, 7ª Câmara Cível, Data de Publicação: 14/12/2021. Demonstra a necessidade de manutenção preventiva.
- TRF-3 – RI: 00041398420214036322, Relator.: FERNANDA SOUZA HUTZLER, Data de Julgamento: 05/09/2023, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: DJEN DATA: 18/09/2023
- STJ – AgInt no AREsp 1.177.862/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, DJe 01/08/2018. Caso de condomínio que buscava danos morais, reafirmando a ilegitimidade do condomínio para pleitear abalo moral em nome dos condôminos.
- STJ – REsp 2.182.775/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. 07/12/2021 (publicado em 2025). Confirma condenação por danos morais coletivos em ação civil pública movida pelo MP, diferenciando interesse difuso de pedido coletivo do condomínio.
- EGS Advogados – “Vitória contra a ‘indústria do dano’ dos vícios construtivos”, 2022. Relato de decisões reconhecendo má-fé processual em ações repetitivas.
- TARTUCE, Flávio. Direito Civil , vol. 2, Rio de Janeiro: Forense, 2021
- LAGE, Matheus F. O.; LAGE, Rafael O. “Vícios construtivos: como construtoras e incorporadoras podem evitar e se defender”. Blog Lage Portilho Jardim Advocacia, 28/01/2022.
- NELSON, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual. São Paulo: RT, 2021.
- TJ/SP – Apelação 1024047-23.2019.8.26.0562, Rel. Des. Viviani Nicolau, j. 22/02/2022. Decisão que ilustra a distinção entre vício sanável e vício grave que autoriza resolução contratual, ressaltando a importância da comprovação de dano efetivo.

